BALADA DA NEVE
© Illustrator: Celia Ascenso | Agency: Dreamstime.com
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.
Augusto Gil - Luar de Janeiro - 1909
_______________________
Snow Balad
Someone knocks gentle, gently,
as if someone was calling me.
Is it rain, is it people?
It is not people, certainly,
and rain does not knock like this.
Maybe it is the wind:
But a while, just a little while ago,
not even a needle stirred
in the quiet melancholy
of the pines trees path.
Who knocks like this, lightly,
with such a strange lightness,
we can hardly hear, hardly feel?
It is not rain, it is not people,
it is not wind for sure.
I went to see: the snow was falling down
from the blue grey sky,
white and light, white and cold...
(...)
Augusto Gil - Luar de Janeiro - 1909
© Illustrator: Celia Ascenso | Agency: Dreamstime.com
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.
Augusto Gil - Luar de Janeiro - 1909
_______________________
Snow Balad
Someone knocks gentle, gently,
as if someone was calling me.
Is it rain, is it people?
It is not people, certainly,
and rain does not knock like this.
Maybe it is the wind:
But a while, just a little while ago,
not even a needle stirred
in the quiet melancholy
of the pines trees path.
Who knocks like this, lightly,
with such a strange lightness,
we can hardly hear, hardly feel?
It is not rain, it is not people,
it is not wind for sure.
I went to see: the snow was falling down
from the blue grey sky,
white and light, white and cold...
(...)
Augusto Gil - Luar de Janeiro - 1909
Há quanto tampo a não via, e que saudade, Deus meu!
ReplyDeleteAdorei a ilustração e, desde sempre, o poema do Augusto Gil.
Batem leve, levemente,
Deletecomo quem chama por mim.
-É a Maria, pode entrar!