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As arcas misteriosas

Wild Flowers Wooden Box
© Photographer: Celia Maria Ribeiro Ascenso | Agency: Dreamstime.com

Era uma vez três meninos pequeninos que eram muito curiosos. Andavam a brincar num jardim colorido com flores de muitas cores, debruado de arbustos verdes, onde os passarinhos trinavam alegremente.
A Andreia observava as formigas no seu vai e vem, carregadas de grandes sementes, maiores que elas próprias. A Sofia descobriu um caracol sobre uma folha verde, e chamou pela Andreia: "-Andreia, Andreia, olha o caracol" E voltava a insistir: -"Andreia, Andreia, olha o caracol !"  
O João, que já tinha aprendido a gatinhar, andava para cá e para lá, a descobrir coisas novas que não se encontravam no seu berço. Era tudo tão grande e tão bonito !!! As grandes árvores que se estendiam no infinito, os pequenos troços de relva, a brisa no rosto...

Enquanto andava nas suas deambulações, encontrou... três pequenas arcas de madeira castanha. Quando a Andreia chegou perto, exclamou, muito entusiasmada: - "Olha, arcas do tesouro!!! O que será que tem lá dentro? Vamos, vamos procurar as chaves para as abrir!!!". 
E começaram todos à procura das chavezinhas das arcas. Procuraram por entre os arbustos, por debaixo das pedras, atrás das árvores, por toda a parte, mas nada encontraram. Mas onde é que poderiam estar escondidas as chaves? Continuaram à procura, à procura, à procura... . Resolveram sentar-se, por fim, num tronco de árvore, caído, pois estavam os três muito cansados.
Mal se sentaram, o tronco resvalou e, cabuuum, taralhum, catrapum, pum, pum... deram todos um grande trambolhão! Que grande confusão! Levantaram-se e sacudiram as roupas sujas de terra e de flores. A Andreia foi ajudar o João a sacudir os seus calçõezinhos, enquanto a Sofia repetia: "Caiu, caiu, caiu...", e ria-se.
Qual não foi o seu espanto quando viram uma pequena chavezinha azul mesmo no sítio onde tinha estado o tronco. Era ali que uma das chaves tinha estado escondida o tempo todo!!! Uma vez que só havia aquela chave, o melhor era experimentá-la...

A Andreia pegou na chave e enfiou-a na fechadura da arca maior. Não servia! Depois foi a vez da Sofia: enfiou a chave azul na fechadura da arca e rodou... Ohhhh! Também não servia... Depois foi o João que pegou na chave e enfiou-a na fechadura da arca mais pequenina, ajudado pela Andreia, claro!!! A Sofia preparou-se para abrir a tampa da arca. Rodaram a chave com muito cuidado. A fechadura deu um estalido suave... e a tampa abriu-se. Espreitaram todos para dentro da arca com muito cuidado...
Dentro da arca estava ... o mar !!! Sim, o mar, com as suas ondas, a sua areia, os peixinhos e as conchinhas. Até tinha um barquinho!!! Dentro do barquinho estava... adivinhem só !!!... Uma chavezinha amarela. A Sofia exclamou: - Olha, olha, Andreia, uma chave... - E ria-se, feliz. E foram as duas abrir a arca do meio. O João ficou a olhar para o mar que estava dentro da arca, fascinado com o vaivém das ondas. De dentro da arca saíam gaivotas, esvoaçando em redor dele.

A Sofia exclamou: " Sou eu que abro!!! " - " 'Tá bem, 'tá bem, abre lá tu..." - disse a Andreia - "O que será que está lá dentro?" A Sofia meteu a chave na fechadura e tentou rodar, mas sozinha não conseguia. - "Ajuda, Andreia, ajuda..." - pediu. A Andreia ajudou-a a rodar a chave. A tampa da arca levantou-se quase como que por magia... As irmãs espreitaram muito devagarinho... Que bonito!!! Conseguia ver-se um campo muito verdinho, salpicado de florinhas coloridas pequeninas. Um riacho muito azulinho saltitava por entre seixinhos redondinhos, e coelhos espreitavam entre os arbustos. No fundo da arca vislumbravam-se umas montanhas com os cumes cobertos por um manto branco de neve. A Sofia chamou: - "Anda, João, anda ver, tão bonito!!! Entretanto, de dentro da arca saiu  um passarinho, esvoaçando. - "Olha! " - chama a Sofia - "O piu-piu tem uma chave!" - O passarinho, que trazia uma chave vermelha no bico, esvoaçou até ao ombro da Andreia. Depois, deixou cair a chave no seu colo, levantando voo novamente. - "Olha, a chave da arca maior!!! Vamos, vamos abri-la já..."

Dirigiram-se à terceira arca e tentaram abri-la com a chave vermelha, mas a fechadura não dava de si... Tentaram de todas as maneiras possíveis, mas nada... Sentaram-se, por fim, em redor da grande arca. - "E se espreitássemos pela fechadura? " - perguntou a Andreia.  Espreitaram, então, um de cada vez pela fechadura, mas não se via nada, porque lá dentro estava muito escuro. Puseram-se então à escuta, com os ouvidos encostados à arca. Ouviam-se lá muito longe crianças a chorar. De vez em quando ouvia-se: "PUM, PUM, PUM". E as crianças choravam sempre. Os irmão, cá fora, ficaram muito tristes pelas crianças que estavam lá dentro a chorar. "Vamos, vamos tentar abrir a arca novamente, para tirar os meninos daqui! " Tentaram novamente rodar a chave, com toda a força que podiam, mas esta não se movia nem um milímetro. Estavam nesta azáfama quando ouviram o vento a sussurrar: 
- "Têm que chamar os meninos que estão lá dentro e pedir que os ajudem a rodar a chave........". 

Os três manos começaram então a chamar: "- Venham, venham, ajudem-nos a abrir esta arca, para que possam sair daí."! E alguns meninos treparam até ao buraco da fechadura. Perguntaram lá de dentro: 
" - Como? Como é que vamos abrir a arca?" 
- "Nós temos aqui uma chave, só não temos força para rodar. Vamos virar a chave todos juntos?" - perguntou a Andreia. 
- "Sim, todos ao mesmo tempo!" - responderam os meninos. " 1 - 2 - 3 !!! " 
 E a chave rodou com estrondo. A arca abriu-se, e os raios de luz invadiram a escuridão. Os meninos espreitaram, esfregando os olhos cheios de lágrimas. Não conseguiam ver, estava muito sol lá fora. 
-"Por que é que estão a chorar? O que é que está lá dentro? " - perguntaram os irmãos. 
- " Estamos a chorar porque temos fome e medo do escuro. Aqui há guerra e está tudo destruído e poluído. Os adultos deixaram a Natureza morrer  e agora já não temos sol para iluminar, nem animais e plantas nem nada para comer.
Os três irmãos disseram: " Nós temos aqui duas outras arcas: uma tem o mar, a outra tem os campos e os montes... . Se os adultos do vosso país pudessem lembrar-se outra vez como é bonito o mundo e a natureza, certamente acabariam com a guerra."
 Os meninos de dentro da arca pediram: " - Tragam para aqui as outras arcas. Assim, podemos vê-las também !!! " E os três meninos começaram a puxar as arcas. Puxaram, puxaram, empurraram e puxaram, até ficarem as três muito encostadinhas. Os meninos que estavam dentro da arca bateram palmas de alegria. 
"- Vamos, vamos chamar os nossos pais, para que eles possam ver o mar e os campos. Como é tudo tão bonito !!!"

E começaram todos a visitar as arcas, até que já não se ouvia ninguém a chorar. É que no mar e no rio havia muitos peixes para comer, nas árvores muitos frutos para saborear  e na terra muitos legumes para cozinhar. Os adultos recomeçaram a construir as suas casas e as crianças a brincar umas com as outras, esquecidas do passado. Tomara que não se esqueçam completamente da guerra e dos seus malefícios, para que não voltem a cometer os mesmos erros...

Com estes pensamentos, os três irmãos foram para casa, porque a mãe os estava a chamar.  Quando voltaram ao jardim, um pouco mais tarde, as arcas já não estavam lá e nunca mais as viram. Também não tinha importância, porque no mundo deles ainda havia mar, terra, rios, montes e montanhas; flores de todas as cores, passarinhos com muitos trinados diferentes e outras coisas tão boas.. E um mundo novo a descobrir todos os dias.

Célia Ascenso, 1999

Esta história foi escrita há muitos anos,
tinha ainda apenas três filhos, 
e arcas cheias de sonhos.  

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